
Em dura palavra de exortação de Deus ao povo de Israel, com um chamado especial para os sacerdotes, o profeta Oséias alertou:
“O meu povo perece porque lhes falta conhecimento” (4:6a).
Trecho famoso, o excerto acima é apenas a pequena parte de um versículo que é completo da seguinte maneira:
“Uma vez que vocês rejeitaram o conhecimento, eu também os rejeito como meus sacerdotes; uma vez que vocês ignoraram a lei do seu Deus, eu também ignorarei seus filhos”.
Ou seja, abrir mão do conhecimento da palavra de Deus não é um bom negócio, mas, numa demonstração de como os seres humanos têm a tendência a repetir os erros do passado, cerca de três mil anos depois da data em que se acredita que o livro foi escrito (algo entre 755 a 721 a.C.), o cenário não é muito diferente.
Uma pesquisa da Lifeway Resarch, realizada nos Estados Unidos, descobriu que cerca de 59% dos frequentadores de igrejas daquele país não se consideram capazes de compreender a Bíblia quando a lêem por conta própria. No Brasil, país com taxas de analfabetismo funcional reconhecidamente mais altas, a situação pode ser ainda pior.
Para além dos estudos, porém, outro fator que pode motivar o problema da baixa compreensão da palavra por parte dos protestantes é a própria qualidade das pregações, cultos, estudos bíblicos e afins promovidos pelas nossas igrejas.
Em artigo publicado no site da editora Fiel, o pastor John MacArthur já dizia em 2007:
“Há abundância de comunicadores talentosos no movimento evangélico moderno, porém os sermões de hoje tendem a ser curtos, superficiais e tópicos. Fortalecem o ego das pessoas e centralizam-se em assuntos completamente insípidos como relacionamentos, vida de sucesso, problemas emocionais e outros temas práticos, mas seculares”.
A fala de MacArthur encontra ressonância no pensamento de Clélio Monteiro, especialista em Estudo da Bíblia e professor de Teologia Bíblica em seminários há mais de 20 anos. Segundo ele, igrejas que “se deixam influenciar” por teologias como a da prosperidade tendem a “perder o foco do estudo sistemático e regular das escrituras”.

“Sem uma base consistente de teologia bíblica, os membros das comunidades cristãs acabam sucumbindo a pseudo-ensinamentos centrados na realização social, profissional e afetiva do indivíduo. Ao enfatizar que o homem tem o direito de ter seus planos pessoais realizados por uma entidade divina superior, a partir do cumprimento de um checklist religioso ou através de contribuições financeiras, as estruturas destas comunidades dificultam a exposição honesta das escrituras”, afirma.
Um cenário como este, Clélio explica, é terreno fértil para a proliferação de falsos mestres.
“Os falsos mestres se sustentam quando o estudo das escrituras é subtraído ou substituído por outras fontes. O pragmatismo é a melhor forma de distorcer o ensino. O que mais necessitamos? O estudo sério das escrituras ou uma palestra sobre família, adolescentes, casamento, finanças, criação de filhos, os papéis do homem e da mulher? Não há problema em discutir os pontos anteriores, a questão é saturar a comunidade com diversas exposições e palestras sobre estes temas quando os participantes não possuem uma mínima base bíblica para a reflexão e apenas se apegam a passagens descontextualizadas que novamente apontam para o sucesso e a realização do indivíduo”, complementa.
Porque devemos nos aprofundar na teologia bíblica?
Igrejas com sólido conhecimento da palavra são muito mais blindadas à aproximação de charlatões e aproveitadores de todas as matizes, que, como lobos em meio às ovelhas, querem apenas se aproveitar das qualidades do povo de Deus. Como o próprio Jesus alerta em Mateus 7:
“Cuidado com os falsos profetas. Eles vêm a vocês vestidos de peles de ovelhas, mas por dentro são lobos devoradores”.
O remédio para se proteger deles, prossegue Jesus, é analisar os frutos das obras destes ditos mestres. Mas como saber isso sem conhecimento profundo do Evangelho?
A culpa não é só dos líderes
Ao tocarmos no assunto da superficialidade teológica nas igrejas, a tendência é sempre jogar a culpa sobre os líderes, considerando-os mal preparados, para dizer o mínimo. Entretanto, devemos reconhecer que o problema não é apenas deles.
“Esta é uma questão de mão dupla, uma retroalimentação. Se o pregador não fala o que os membros querem ouvir, sua comunidade se esvazia. Se a comunidade não ouve o precisa, não é confrontada pelas escrituras, não se arrependem e tampouco se aproximam de Deus”, explica Clélio.
Ele relembra o alerta que o apóstolo Paulo faz às igrejas em suas cartas a respeito da natureza pecaminosa do homem, em que a palavra “carne” é utilizada como um sinônimo. “Em razão da queda temos a necessidade de sermos confrontados com a palavra de Deus para o devido convencimento pelo Espírito Santo”, diz o professor, que completa:
“A superficialidade é decorrência da nossa tendência de nos escondermos constantemente de Deus. É agradável ao homem carnal ouvir uma mensagem que o motive a pensar que tem o direito de ser feliz e que é especial em relação aos “pecadores de plantão”, bastando ao mesmo apenas fazer um sacrifício financeiro ou seguir uma “cartilha” de boa conduta”.

Como mudar este cenário?
Com a experiência de quem se batizou aos 12 anos e há 44 serve a igreja, Clélio diz acreditar na existência de três tipos de pregadores e ouvintes nas comunidades:
- Os que distorcem a mensagem propositalmente para atender seus próprios interesses;
- Os que replicam o ensino distorcido por não ter conhecimento, mas, ao saber, se mantêm no erro devido a questões financeiras decorrente da perda de membros das comunidades;
- Os que reproduzem o ensino equivocado até o momento em que tomam ciência da verdade e abandonam esta prática independente das consequências;
Na visão do professor, a verdadeira missão de quem ensina a verdadeira teologia seria alcançar o último grupo, composto de “líderes e liderados sedentos por Deus, piedosos e sempre dispostos a aprender. Estes, ao terem contato com a verdade, alteram a forma de se relacionar com as escrituras e com Deus”, diz.
“Para quebrar o ciclo, os pregadores devem se aprimorar e honrar o texto que estão expondo e acreditar que a exposição das escrituras tem o poder por si só de transformar a vida dos ouvintes através da ação divina. Escolher mensagens que têm como único propósito agradar a comunidade é contribuir para a criação de grupo de “clientes”, completa Clélio.